
Crédito privado em alta, risco em alerta
Crédito privado cresce com emissões recordes em 2025, atraindo investidores por isenção fiscal e juros altos, mas especialistas alertam para volatilidade e inadimplência
O mercado de capitais brasileiro registra aumento significativo das emissões de títulos de crédito privado, com empresas buscando alternativas de financiamento fora dos grandes bancos.
Investidores foram atraídos por prêmios maiores e, em alguns casos, por isenção de Imposto de Renda, mas especialistas chamam atenção para riscos de crédito, liquidez e ausência de proteção do FGC.
Os dados e análises a seguir ajudam a entender por que o volume de emissões subiu, quais são os principais produtos, e como avaliar riscos antes de tomar decisão de investimento, conforme informação divulgada pelo g1.
Por que o crédito privado avançou
O reposicionamento do BNDES desde 2017 alterou o mapa do financiamento empresarial, com o banco reduzindo empréstimos subsidiados e se tornando mais seletivo, especialmente em projetos fora de sustentabilidade e inovação.
Segundo Diego Ramiro, presidente da Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos, “O BNDES impediu o volume de empréstimos subsidiados e passou a ser mais seletivo na escolha dos projetos que financia. Muitas empresas passaram a buscar novas formas de captação”.
Com isso, companhias passaram a emitir debêntures, CRIs e CRAs para financiar projetos de médio e longo prazo, abrindo espaço para pessoas físicas e institucionais no mercado de capitais.
Os números refletem essa guinada, conforme dados da Anbima que mostram que as operações de crédito privado atingiram R$ 381,4 bilhões no acumulado de 2025 até setembro, 72% de tudo o que foi emitido no período, e que, só em outubro, o volume negociado no mercado secundário chegou a R$ 124 bilhões.
Riscos que investidores devem avaliar
Embora classificados como renda fixa em muitos casos, os instrumentos de crédito privado não têm a mesma segurança dos títulos públicos, e carregam riscos que nem sempre são claros para o investidor.
O principal deles é o risco de crédito, ou seja, a possibilidade de a emissora não honrar pagamentos. Como alerta Andressa Bergamo, especialista em investimentos da AVG Capital, “Ao contrário dos títulos públicos, garantidos pelo Tesouro, os papéis de crédito privado dependem da capacidade financeira da empresa ou da qualidade dos ativos que servem como garantia”.
Além disso, existe o risco de liquidez. Muitos títulos não têm negociação diária no mercado secundário, o que pode obrigar o investidor a manter o ativo até o vencimento ou a vender com prejuízo em caso de necessidade de caixa.
Outro ponto crítico é a ausência de proteção do Fundo Garantidor de Créditos, o FGC. Débentures, CRIs e CRAs não contam com essa garantia, o que aumenta o potencial de perda em caso de falência da emissora. Jeff Patzlaff resume o alerta, “Se a empresa quebrar, você pode perder todo o dinheiro. É essencial avaliar garantias e rating”.
O ambiente macroeconômico também pesa. Alterações na taxa Selic ou no risco-país mexem diretamente no valor desses papéis, pressionando preços e afetando a rentabilidade, especialmente em títulos de prazo longo.
Onde estão as oportunidades e os cuidados na seleção
O crédito privado pode fazer sentido para perfis moderados e arrojados, desde que integrando uma carteira diversificada e com avaliação criteriosa dos ativos.
Entre os pontos que merecem atenção estão o rating da empresa emissora, a qualidade e transparência das garantias, e a estrutura da operação indicada no prospecto. Títulos complexos exigem leitura atenta do documento legal.
A preferência por instrumentos isentos de IR, como debêntures incentivadas, CRIs e CRAs, elevou a demanda por esses papéis e comprimido os prêmios pagos pelas empresas emissoras. Esse movimento explica spreads menores e retorno pressionado nos últimos meses.
A economista Marília Fontes lembra que, “Com a Selic ainda alta, podemos ver novos eventos de crédito, com potencial de contágio”, o que reforça a necessidade de diversificação e vigilância constante sobre o portfólio.
Tabela comparativa dos principais produtos
| Produto | Finalidade | Tributação | Riscos principais | Liquidez típica |
|---|---|---|---|---|
| Debêntures incentivadas | Projetos de infraestrutura | Isentas de IR para pessoa física | Risco de crédito da emissora, complexidade | Média a baixa |
| Debêntures não incentivadas | Financiamento corporativo geral | Tributação regressiva, 22,5% a 15% | Risco de crédito e mercado | Média a baixa |
| CRIs | Apoio ao setor imobiliário | Isentos de IR para pessoa física | Qualidade dos recebíveis, concentração regional | Geralmente baixa |
| CRAs | Financiamento do agronegócio | Isentos de IR para pessoa física | Risco climático e de safras, concentração setorial | Geralmente baixa |
Como montar uma estratégia prática
Antes de comprar títulos de crédito privado, defina horizonte de investimento e tolerância a perdas. Para quem precisa de liquidez, prefira títulos com mercado secundário mais ativo.
Avalie ratings e, quando possível, busque garantias reais ou estruturas de proteção, como garantias fidejussórias, covenants e segundas camadas de pagamento.
Considere limitar a exposição de ativos sem proteção do FGC a uma parcela reduzida do patrimônio, e diversifique entre setores e prazos para reduzir riscos de concentração.
Analistas do BB-BI, por exemplo, selecionaram debêntures incentivadas de empresas com perfil mais sólido em novembro, mas a recomendação geral é combinar análise de crédito rigorosa com visão estratégica do portfólio.
Perguntas e respostas rápidas
P: Crédito privado é adequado para investidores conservadores?
R: Em geral não, salvo em casos muito específicos com garantias robustas, porque não há proteção do FGC e o risco de crédito é maior.
P: Como identificar risco elevado em uma emissão?
R: Observe rating baixo, garantias fracas, concentração de receita da emissora e cláusulas de vencimento antecipado.
P: A isenção de IR justifica a escolha por CRIs e CRAs?
R: A isenção é atrativa, mas não substitui a análise de crédito e liquidez, que podem anular ganhos potenciais.
P: O que é mais importante, prazo ou spread?
R: Ambos importam, prazos longos aumentam a exposição a oscilações e tributos, enquanto spreads refletem o prêmio por risco assumido.
P: Como reduzir risco ao investir em crédito privado?
R: Diversifique, prefira emissores com bom rating, confira garantias, e mantenha uma parcela do patrimônio em ativos líquidos e protegidos.
Em um cenário de taxas elevadas e mudança estrutural no financiamento empresarial, o crédito privado oferece oportunidades, mas exige análise técnica e disciplina, para que o investidor não confunda atratividade fiscal com segurança financeira.




